Roteiros e viagens-

Expedição Transamazônica
Terceira parte: de Jacareacanga (PA) a Humaitá (AM)

Jacareacanga está localizada ao sudoeste do Pará, na divisa com o estado do Amazonas na beira do rio Tapajós, cercada pela floresta. O transporte mais comum é o barco já que o acesso por estradas é considerado impraticável, além do preço da gasolina ser no mínimo o dôbro de qualquer lugar. Para nós aventureiros, Jacareacanga foi um importante ponto de apoio.

Partindo de Jacareacanga rumo a Apuí, finalmente entramos no estado do Amazonas. Novos ares e até o clima parecia ter mudado. Nosso Toyota Bandeirante tinha ficado com o câmbio perfeito e preciso. Saindo de Jacareacanga, a estrada parecia boa e chegamos a pensar que iríamos chegar cedo em Apuí (AM), mas depois de andar pouco mais de 30 km o panorama mudou completamente e a estrada estava em péssimas condições. Depois de rodarmos mais ou menos 100 km paramos por acaso em um bar na beira da estrada. Estávamos todos com fome, por isso perguntamos à senhora que atendia no bar se ela poderia fazer um almoço para todos. A senhora pensou um pouco e nos falou: "olha moço a comida que eu tenho é arroz, feijão e macaxeira, só que carne de cidade não tem", respondeu meio encabulada. "Aqui tem só carne do mato", disse abrindo o depósito e mostrando a carne de jacu e cateto. Olhamos satisfeitos e encomendamos o almoço que foi um dos melhores de toda expedição. A moeda local era o ouro, todos os preços eram em gramas de ouro. Nesta região todo o comércio usa uma balança de precisão para pesar o ouro.

No bar moravam a senhora e dois filhos de 8 e 10 anos, muitos espertos. O marido ficava no garimpo de 2 a 3 meses. Viviam bem. A casa era extremamente limpa e eles muito educados.

De barriga cheia, encaramos novamente a trilha (aliás, a BR).

A distâncias na Amazônia têm uma escala diferente para o povo de lá. Tudo é perto, ou seja, 200 ou 300 km é considerado "ali". Portanto faltavam só 400 km até Apuí. O caminho, entretanto, ficou tão ruim que até umas porteiras encontramos, em uma rodovia federal. A maior dificuldade neste trecho foi o mato muito pesado. Andávamos quase que por um túnel e as folhas entupiam o snorkel. Com isso o carro perdia a força e tivemos que parar e improvisar colocando uma garrafinha de água cortada e virada para trás (que acabou ficando até hoje). Resolvido o problema, passamos a idéia para os outros. O estranho de tudo isso é que por esta BR, que deve ter custado muito aos cofres públicos, e por onde já passaram carros e grandes caminhões, agora estava completamente tomada pelo mato. Encontramos somente dois tratores, tirando açaí da beira da estrada para exportar para o sul do país. Outro fato interessante são os imigrantes catarinenses enfiando-se nos lugares mais remotos e sem qualquer infra-estrutura.

Mais perto de Apuí vimos as queimadas na beira da estrada, que estavam "a todo vapor", contrastando com a selva fechada. Parecia terem jogado uma bomba atômica tamanha era a devastação. Serão esses pioneiros heróis ou vilões? Pasmem, mas nestas queimadas a madeira de "primeira" não vale a pena ser retirada. Muitas vezes longe dos rios, não tem como ser transportada e então tudo é queimado: mogno, castanheiras, etc. Depois da queimada a terra só presta para pasto, sendo necessário aproximadamente 10 anos para a fazenda estar "destocada" e organizada. A maioria dos imigrantes não aguentam tanto tempo enfrentando as dificuldades da região e desistem, morrendo ali uma ilusão.

Uma das coisas que mais atraia as crianças nos vilarejos por onde passamos eram um pé e uma mão de borracha pendurados para fora da caixa de ferramentas, em cima do bagageiro do Tigrão, como se fosse um defunto que não coubesse ali. De longe enganava bem. Já era noite e faltavam uns poucos quilômetros para chegar em Apuí quando encontramos um rapaz pedindo carona. Foi quando aconteceu um dos lances mais engraçados da expedição: o rapaz embarcou no nosso jipe e deitou-se na parte de trás, espremido entre nossas bagagens. Enquanto o rapaz embarcava, o Toyota do Tigrão passou por nós, e saímos logo atrás. Percebendo que o rapaz olhava muito para a caixa no bagageiro do Tigrão, eu e o Brick começamos a comentar o que faríamos com o defunto, se jogaríamos no rio ou entregaríamos ao delegado. O rapaz escutou a conversa e foi logo perguntando sobre o o que tinha acontecido com o falecido. Inventamos uma estória de que ele tinha tentado nos roubar e foi pego em flagrante, com "a mão na botija", e nós haviamos matado o ladrão com alguns tiros. O rapaz começou a ficar assustado e cada vez mais curioso até que falamos que ele seria testemunha ao chegar na cidade. Um pouco antes de chegarmos na cidade paramos para ir ao banheiro. Quando demos por conta, o rapaz tinha embrenhado-se na mata e sumido. Imaginem as estórias que ele deve estar contando até hoje. Demos muitas risadas e continuamos em frente. Chegando em Apuí tarde da noite, nos hospedamos em um hotel razoável pelo tamanho da cidade e, cansados, fomos dormir. Ao amanhecer nos deparamos com o carro da polícia ao lado dos nossos jipes e lembramos da estória do defunto. Agora era a nossa vez de levar um susto. "Será que o cabloco nos denunciou na polícia?". Que nada! Os policiais estavam também hospedados no hotel. Essa estória rende até hoje muitas risadas.

Apuí está localizada ao sul do Amazonas e é município desde 1987, com uma área de 53 mil km² e população de 12 mil habitantes, inserida na sub região do rio Madeira, às margens do Rio Juma Apuí (que quer dizer braços fortes na língua tupi-guarani).

O apisteiro é uma haste ou um cipó que cresce nas margens do rio Juma e em outras margens dos rios amazonenses. Eles se enrolam nas grandes árvores e sobem até a copa e nesse abraço se tornam um só vegetal. O apisteiro alimenta-se da árvore mãe e há uma lenda muito bonita dos índios Apurima e Tikuma, que vivem às margens do rio Javari, e que conta a estória do apisteiro. Neste dia fomos falar com o prefeito, onde fomos muito bem recebidos e este nos passou todas informações sobre o desvio que pretendíamos fazer indo até Nova Aripuama para tentar chegar na BR-319 sem precisar passar por Humaitá e assim encurtando bastante o nosso trajeto. O prefeito de Apuí ligou para o prefeito de Aripuama que nos informou que sweria impossível chegar de carro. O único meio seria ir de balsa. Desistimos então da idéia e ficamos mais um dia em Apuí.

O Eleomar que tinha um compromisso em Brasília, achando que não daria tempo saiu antes para Humaitá de onde seguiria para Porto Velho, onde pegaria um avião. O seu companheiro Isaac levaria o Troller até Curitiba, num longo e solitário retorno.

No dia seguinte, bem cedo, partimos rumo a Humaitá. A estrada já não estava tão ruim e dava para desenvolver uns 40 km/h. Eram só mais 450 km até a BR-319, estrada larga mas perigosa, pois haviam muitas erosões e as pontes estavam praticamente caindo. Paramos para pescar. O Fontana e o Júnior, com iscas artificiais desconhecidas dos peixes da região não conseguiam pegar nada e 10 minutos. Os dois desistiam, afirmando que ali não dava peixe. Como a água era transparente, dava para ver a grande quantidade de peixes. Se dependesse deles para comer morreríamos de fome.

Passamos por várias balsas e numa destas encontramos o catarinense Amselmo funcionário do INCRA que há muitos anos andava por aquela região, sozinho no seu Toyota Bandeirante, verificando os níveis dos principais rios. Encontramos também algumas tribos indígenas na beira da estrada de uma vila chamada Santa Terezinha que mais parecia dos anos 30, com aqueles armazéns típicos daquela época e muito interessante. Chegamos no ponto de travessia do rio Madeira de madrugada e por sorte a balsa estava no lado de cá do rio. O capitão estava dormindo e batemos palmas para chamá-lo. Ele acordou um pouco contrariado mas aceitou a nossa oferta de R$ 100.00 para nos levar para o outro lado do rio, e assim chegamos em Humaitá.

A Transamazonica agora era só lembrança. Partiríamos para o norte por mais 700 km até Manaus pela BR-319, que um dia já foi toda asfaltada. Fizemos nova revisão nos jipes e o Toyota Bandeirante do Júnior, assim como o nosso, não quebrou nada. Para garantir trocamos os amortecedores e isso já foi suficiente para uma boa melhora no nosso jipe. Passamos o dia em Humaitá e na oficina conhecemos o Catarina, um daqueles que vieram tentar a sorte na Amazônia. Ele nos contou que havia vendido tudo em Ibirama (SC) e partiu para o km 200 da BR-319. No começo tudo ia bem, e com uma fazenda na beira da estrada a coisa só poderia melhorar. O tempo passou e estrada foi abandonada. Hoje ele é um dos remanescentes da região sem condições de voltar, pois sua terra ali tem um preço infinitamente menor que aquela que ele vendeu em Santa Catarina. Ele nos contou que passou muitos apuros com os três filhos morando isolados do mundo. Também nos contou que existe duas ou três famílias de nordestinos que se embrenharam na mata e vivem hoje como índios, pois perderam todo o contato com a civilização. Ao contar a sua história, Catarina quase chorou. Insistiu para que, quando passássemos por sua casa, fizéssemos uma paradinha para um cafezinho, e claro, para "prozearmos" um pouco mais.

A cidade de Humaitá é um porto por onde os navios barcos e chalanas descem o rio Madeira e afluentes, trazendo e levando mantimentos, pessoas e combustíveis para os milhares de ribeirinhos. A cidade em decadência conta ainda com boa infra-estrutura. A temperatura passa dos 40ºC. Fomos visitar o porto e comer um peixinho no restaurante Dona Mocinha. O restaurante Barriga cheia funciona na mesma casa e todo espaço é dividido ao meio. A comida é barata e muito boa, valeu a pena.



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