Garagem do Bellote-

O eterno camburão

Por Renato Bellote Gomes

As duas peruas Chevrolet, uma verde, outra amarela, cinco homens em cada uma empunhando armas de grosso calibre de canos visíveis nas janelas, bagageiros com jovens ensangüentados que gemiam, os corpos cheios de buracos abertos por tiros, alguns já mortos, aproximavam-se rapidamente do bairro do Paraíso, num ziguezague perigoso no trânsito da cidade.

Esse pequeno trecho, extraído do livro "Autópsia do Medo", de autoria do jornalista Percival de Souza, retrata, fielmente, um período marcante da história brasileira.

O que nos interessa, em especial, é o início do parágrafo. As peruas Chevrolet Veraneio se tornaram símbolos dos órgãos de repressão, trazendo péssimas recordações em muitos que andaram na parte de trás do utilitário. O "ziguezague" era comum, na busca incessante pelos "aparelhos" - como eram chamados os esconderijos dos inimigos do regime. Mas a história não começou dessa forma. No ano de 1959, a Chevrolet lançou a Amazona, uma perua com três grandes bancos e espaço de sobra para 8 pessoas. A idéia era oferecer uma opção para as famílias, já que na época os casais tinham 5 ou 6 filhos.

Pesando quase duas toneladas - precisamente 1850 kg - a perua era equipada com um motor de 6 cilindros em linha, 4,3 litros e 142 cavalos de potência. Com um torque generoso, não havia muita preocupação com a velocidade final, por volta de 135 km/h. O câmbio de três marchas na coluna de direção fechava o pacote. Três anos mais tarde, a Amazona recebeu uma reestilização frontal, com adoção de quatro faróis.

No ano de 1964, no salão do automóvel de São Paulo, um novo modelo era lançado pela fábrica, chamado de C-1416. Essa nova versão trazia molas helicoidais, linhas mais modernas e as eficientes quatro portas, que não poderiam faltar em um veículo desse segmento. A novidade do estilo, porém, não se refletiu no motor, que teve um aumento discreto de potência.

Em 1969, a perua foi rebatizada com o nome de Veraneio, devido à sua natureza familiar. A revista Quatro Rodas de número 109 testou-a novamente nesse ano, e as impressões de Expedito Marazzi foram muito favoráveis. O jornalista elogiou a mecânica, o painel de instrumentos e a suspensão. A conclusão foi que o consumidor teria um carro de passeio com espaço de sobra.

Durante as décadas de 70 e 80, ela se tornou - como dito no início do texto - um veículo de uso policial que, de certo modo, deixou uma impressão negativa do modelo. Mas também prestou bons serviços como ambulância em todo o país. Com o passar dos anos, ocorreram melhorias na suspensão e freios. A utilização do motor de 4,1 litros e a versão a diesel também merecem destaque até sua despedida nos anos 90.

A Veraneio cumpriu seu papel por quase quarenta anos. Atualmente, existe até mesmo um clube dedicado à preservação do modelo. Sua fama de "camburão", no entanto, permanece na mente de quem viveu num Brasil repressivo e autoritário. Talvez, numa noite escura, ao andar pelas ruas do bairro do Paraíso, em São Paulo, o leitor consiga ver entre a névoa espessa, uma delas subindo a rua em ziguezague, em busca de um "aparelho" perdido no tempo.

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